Esse era o domínio do xamã, figura tribal que era sacerdote, curandeiro, músico e poeta, especialista em plantas medicinais e guardião da história do povo.
Por Alessandro Meiguins e Vitor Shin
Nos primórdios da humanidade, não havia fronteiras entre ciência, arte e religião. Tudo se fundia em uma única busca: conhecer as forças da natureza e saber usá-las em benefício do homem. Esse era o domínio do xamã, figura tribal que exercia múltiplas funções – de sacerdote e curandeiro, pesquisador do poder de cura das plantas, a músico e poeta, narrador e guardião dos mitos e histórias do seu povo. O termo original saman vem justamente do verbo “conhecer” na língua siberiana manchu-tungus, significando “aquele que conhece” ou, simplesmente, “feiticeiro”. Em português (ou melhor, tupi), o exato equivalente seria “pajé”. A definição clássica de xamanismo – “técnicas arcaicas de êxtase” pertence ao filósofo romeno Mircea Eliade (1907-1986), especialista em História das Religiões e um dos vários estudiosos que ficaram impressionados com o modo como as práticas xamânicas se reproduziam identicamente entre nativos de regiões tão distantes quanto Sibéria, Austrália e Amazônia.
A principal delas, como destaca Eliade, é entrar em transe – por meio de ritmos repetitivos tocados em tambores ou de substâncias psicoativas encontradas em fungos ou vegetais. Nesse estado alterado de consciência, o xamã seria capaz de realizar o chamado “vôo mágico”: desprender-se do próprio corpo para viajar a outros planos do universo, para o além. “Nesses mundos – alguns celestiais, outros subterrâneos –, ele vai resgatar almas perdidas. Isso porque, na crença desses povos, quando alguém está doente é porque sua alma está perdida”, diz o antropólogo Robin Wright, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Outro traço comum às diversas tradições xamânicas é trabalhar com “espíritos aliados” – tanto de seus ancestrais, quanto de bichos selvagens e ervas medicinais. São os chamados animais e plantas de poder, que o ajudam a viajar por outras dimensões e a curar males físicos e psicológicos, além de conduzir rituais que propiciem a caça e a fertilidade da natureza.
O mistério das cavernas
Pinturas pré-históricas sinalizam o nascimento simultâneo da arte e do xamanismo. Muitos historiadores, arqueólogos e antropólogos acreditam que a origem do xamanismo está na Europa do final da Idade da Pedra, entre 30 000 e 20 000 anos atrás. A evidência principal estaria nas magníficas pinturas rupestres encontradas em cavernas da Espanha e da França. A maioria delas representa animais como cavalos, bisões e cervos, provavelmente com a intenção simbólica e ritualística de propiciar a caça, fazendo um pacto com os espíritos desses bichos. Mas a imagem mais enigmática de todas é a figura acima, pintada na parede da caverna de Trois Frères, no sul da França: uma criatura semi-humana, batizada de Feiticeiro Dançarino, com orelhas de lobo, chifres de veado, rabo de cavalo e patas de urso. Há duas interpretações para ela. Para alguns estudiosos, trata-se do registro mais antigo da união de um xamã com seus animais de poder.
Outros acreditam que seja uma entidade sobrenatural: o Grande Espírito da caça e da fertilidade animal. As primeiras esculturas e instrumentos musicais (tambores e flautas feitas de ossos), são da mesma época, reforçando a tese de que os xamãs foram os criadores não só das artes visuais, como da música e da poesia lírica.
Para saber mais:
O Xamã, Piers Vitebsky, Evergreen, São Paulo, 2001
O Caminho do Xamã, Michael Harner, Editora Cultrix, São Paulo, 1995
Shamanic Voices, Joan Halifax, Penguin Arkana, Estados Unidos, 1979
The Strong Eye of Shamanism, Robert E. Ryan, Inner Traditions, Estados Unidos, 1999
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